sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Analise do Substitutivo de Lacerda: Panorama Histórico



1.   INTRODUÇÃO

A educação sempre foi um assunto polêmico, ao longo da história do nosso país. Sempre houve debates e conflitos entre forças opostas – Governo, Igreja, Exército, educadores, entre outros -, com a intenção de definir o rumo do processo educativo do Brasil. Foi durante um desses debates que Lacerda apresentou seu terceiro Substitutivo à Câmera dos Deputados com o intuito de contribuir para a construção da primeira LDB, num período que o país passava por um processo de redemocratização.
O documento analisado, o terceiro Substitutivo de Lacerda, foi produzido em 1958, sendo apresentado para a sua aprovação, somente em 15 de Janeiro de 1959. Esse projeto foi constituído através de temas, os Títulos, tendo como objetivo romper com o monopólio que o Estado exercia sobre a educação e garantir deste, um financiamento para as escolas particulares.
Essa análise foi elaborada com base nos Títulos contidos no documento apresentado por Lacerda, ou seja, abordamos o Substitutivo por ordem temática. Com esse trabalho procuramos analisar de que maneira o documento original de Mariani, impulsionou as discussões para a criação da primeira Lei de Diretrizes e Bases, cujo documento de Carlos Lacerda se mostrou fundamental para tal conquista.

2.   RECONSTRUINDO A EDUCAÇÃO


A partir do fim dos anos 1940, o Brasil começa a viver um tempo de redemocratização e a educação volta a ser debatida. O debate foi desencadeado pelo momento de democratização política iniciado após um período de autoritarismo do governo Vargas, marcado pela promulgação da nova Constituição.
O marco dessa redemocratização foi a adoção de uma nova Constituição, de 1946, caracterizada pelo seu teor liberal e democrático de seus enunciados.
Essa nova Constituição retoma a inspiração da ideologia dos educadores e traz garantias para a educação, como podemos ver nos artigos abaixo.

“Art. 166: A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Deve inspirar-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana”
“Art.167: O ensino dos diferentes ramos será ministrado pelos poderes públicos e é livre à iniciativa particular, respeitadas as leis que o regulem”
“Art.168: A legislação do ensino adotará os seguintes princípios:
I – o ensino primário é obrigatório e só será dado na língua nacional;
II – o ensino primário oficial é gratuito para todos; o ensino oficial anterior ao primário sê-lo-à para quantos provar falta ou insuficiência de recursos;
III – as empresas industriais, comerciais e agrícolas, em que trabalhem mais de cem pessoas, são obrigadas a manter o ensino primário gratuito para seus servidores e os filhos destes;
IV – as empresas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em cooperação, aprendizagem para seus trabalhadores menores, pela forma que a lei estabelecer, respeitados os direitos dos professores”

Baseada nos princípios constitucionais 1946, Clemente Mariani, então Ministro da Educação, do governo Dutra, propôs um projeto, junto com um grupo de educadores, para realizar uma reforma na educação. Esse grupo de educadores foi liderado pelo Professor Lourenço Filho e estavam organizados em três subcomissões, ficando cada uma responsável por um nível educacional; o texto, depois de pronto, foi encaminhado à Câmara Federal, em 1948, iniciando, então, uma luta desgastante para sua aprovação. Em 1949, o Projeto foi arquivado pelo ex-ministro da Educação Gustavo Capanema, que deu um parecer desfavorável. Alguns anos depois, houve uma tentativa de retomar esse Projeto, mas o Senado informou que o mesmo tinha sido extraviado. Com isso, a Comissão de Educação e Cultura do Congresso reuniu–se para a reelaboração do projeto inicial.
Somando projetos, pareceres e emendas, no início dos anos 1950, já existiam 14 documentos que faziam parte do processo de reestruturação da educação. Assim, teve início o debate no Legislativo. Esse debate tinha como ponto principal a questão da organização do sistema de ensino: de um lado estavam os que defendiam a descentralização, enquanto que do outro, estavam os centralizadores. A polêmica entre centralização e descentralização manteve-se até 1959, quando o deputado Carlos Lacerda trouxe uma nova polêmica, com o seu terceiro substitutivo.

3.   Carlos Lacerda e a Educação no Brasil

Carlos Lacerda foi um importante personagem político, nacionalmente conhecido. Ele se pautou por grandes obras, muitas vezes polêmicas. Sua imagem na política foi construída através do seu envolvimento com a educação, principalmente quando participou do processo de elaboração da primeira Lei de Diretrizes e Bases do Brasil.
O envolvimento de Lacerda na construção da primeira LDB aconteceu por meio da elaboração de um texto, seu terceiro Substitutivo, escrito em 1958, que foi baseado nas resoluções ou teses do Congresso Nacional dos Estabelecimentos Particulares de Ensino (1948). Nesse texto, ele deslocou as discussões parlamentares para a luta contra o monopólio estatal da educação, pois acusava o Estado de monopolizá–la. Porém, isso não acontecia, já que as escolas particulares sempre existiram no Brasil. Sua verdadeira intenção era garantir que o Estado destinasse uma parte da verba para as escolas particulares.
Em seu Substitutivo, Lacerda buscou introduzir o princípio da “liberdade de ensino”, dando a entender que a área educacional deveria possuir uma livre iniciativa. Ele afirmava ainda que a educação é um direito da família, cabendo aos pais ou responsáveis escolher entre o ensino oficial ou privado, sendo que o Estado deveria garantir recursos para que essa escolha fosse possível.

“Art. 3º
 - A educação da prole é direito inalienável e imprescritível da família.
Art. 4º
 - A escola é, fundamentalmente, prolongamento e delegação da família.
Art. 5º
 - Para que a família, por si ou por seus mandatários, possa desobrigar–se do encargo de educar a prole, compete ao Estado oferecer–lhe os suprimentos de recursos técnicos e financiamentos indispensáveis, seja estimulando a iniciativa particular, seja proporcionando ensino oficial gratuito ou de contribuição reduzida.

Lacerda deixou clara a condição de igualdade entre as redes de ensino, público e privada, no que se refere às questões administrativas e a distribuição dos recursos financeiros, que agora deveria ser calculada em função do número de alunos matriculados. Além disso, ele defendia que o Estado deveria ficar responsável por solicitar materiais e assistências técnicas para as escolas.
O projeto de Lacerda ainda garantia que o financiamento do Estado poderia dar–se de muitas maneiras: por bolsas de estudo, ou empréstimos que seriam usados na construção e reformas de edifícios escolares e também na compra de suportes e materiais pedagógicos.

“Art. 71
 - A cooperação financeira da União, dos Estados, e dos Municípios se fará:
 a) sob a forma de financiamento de estudos através de bolsas, concedidas a aluno, na forma da presente lei;
b) mediante empréstimos para construção, reforma e extensão de prédios escolares e respectivas instalações e agrupamentos.

As escolas religiosas foram favoráveis ao Substitutivo de Lacerda, pois basearam-se na questão da “liberdade da família” na delegação de dever da educação, para se juntar aos donos dos estabelecimentos particulares. A intenção da Igreja era exercer pressão para garantir que o ensino religioso estivesse presente nos ensinos de forma obrigatória e não de forma facultativa, como vinha acontecendo.
O Substitutivo de Lacerda encontrou forte oposição entre alguns educadores da velha geração dos “pioneiros” junto com profissionais de outros ramos, como por exemplo, Florestan Fernandes, Fernando Azevedo, João Villa Lobos, Fernando Henrique Cardoso, Laerte Ramos de Carvalho, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Raul Bittencourt e outros. Esses integrantes formaram um grupo chamado Campanha em Defesa da Escola Pública, e também, apresentaram um substitutivo que foi levado à Câmara pelo Deputado Celso Brant, texto semelhante ao anteprojeto primitivo.

4.   Da Comissão à Lei 4.024

A Comissão de Educação e Cultura da Câmara, tendo dois Substitutivos em mãos, depois de chegar a um acordo com os partidos, nomeou uma subcomissão relatora para examinar esses textos, além das emendas apresentadas e assim elaborar um último anteprojeto. Essa subcomissão foi formada pelos deputados Aderbal Jurema, Manoel de Almeida, Dirceu Cardoso, San Tiago Dantas, Paulo Freire, Carlos Lacerda e Lauro Cruz.
A subcomissão elaborou o anteprojeto solicitado, que foi aprovado tanto pela Comissão de Educação e Cultura, quanto pela Câmara dos Deputados. Esse novo documento aproximou-se do Substitutivo de Lacerda e, embora se distanciasse em muitos pontos, manteve o que era essencial: seus fundamentos nos “direitos da família” e o favorecimento da escola privada.
Após quase um ano de intensas discussões, em 20 de dezembro de 1961, surge a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a Lei 4.024/61.
Essa lei englobava todos os graus e modalidades do ensino e tinha como característica principal estar contida nos princípios de liberdade e nas idéias de solidariedade humana; além de despertar a compreensão dos direitos e deveres da pessoa humana e dos demais grupos que compõem a sociedade, prevalecendo o respeito à dignidade, o preparo do indivíduo, garantindo assim às famílias, o direito sobre a educação de seus filhos, exercendo obrigações ao setor público e total liberdade a iniciativa privada. 

5.   Considerações Finais

O fim da década de 1940 marcou o início do processo de redemocratização do país e a educação se tornou um importante meio para o sucesso dessa empreitada.
Ao analisarmos uma parte das discussões que envolveram a educação nesse período, principalmente no que diz respeito à contribuição do terceiro Substitutivo de Lacerda, observamos que ele foi bastante oportuno em seu texto, pois deslocou o tema das discussões, antes concentrada na centralização e descentralização, para a liberdade de ensino; principalmente trazendo questões atuais, como por exemplo, a valorização das escolas particulares, a desvalorização das escolas públicas e o financiamento.
Considerando a questão da valorização das escolas particulares, destacamos um ponto positivo e um ponto negativo, que consideramos como principais na nossa abordagem. O ponto positivo foi a maior participação que as famílias passaram a ter na vida estudantil de seus filhos, seja na hora de optarem por uma das redes de ensino; seja num maior envolvimento que os pais passaram a ter dentro das instituições escolares. Como ponto negativo, apontamos a exclusão que essa valorização gerou, pois as famílias de classe média baixa que não tiveram condições de colocar seus filhos em instituições privadas terminaram sendo relegadas a segundo plano.
A desvalorização da educação pública trouxe para o país um decréscimo na qualidade de ensino, ocorrido em parte pela transferência de profissionais qualificados para o ensino privado, por não encontrarem incentivos no setor público; e os principais prejudicados com isso foi a população de classe média baixa, pois a educação popular entrou em declínio, dando espaço para o imediatismo do ensino profissionalizante.
A questão trazida por Lacerda, sobre o financiamento para a educação dizia respeito à distribuição igualitária para as duas redes de ensino. O setor público foi prejudicado, pois teve seus recursos diminuídos. Já o setor privado foi duplamente beneficiado, pois além de receber a verba do Estado, as escolas particulares teriam o retorno das mensalidades.
Com essa análise podemos compreender a importância das discussões que envolvem a educação, pois é esse debate com muitas idéias que se chega a uma melhoria no sistema de ensino, como por exemplo, a construção da primeira LDB, elaborada através do anteprojeto de Mariani e do terceiro Substitutivo de Lacerda.


6.   Referências     

http://www.publicacoes.inep.gov.br/arquivos/{AE82A0C3-0BF2-4EFA-A0EE-37DA33A80B0B}_nº_74_V._31.pdf (pags. 116 a 128)

http://www.shbe.org.br/novo/congressos/cbhe4/individuais-coautorais/eixo01/Maria%20Angelica%20da%20Gama%20Cabral%20Coutinho%20-%20Texto.pdf

Elaborado por: Alessandra Silva, Bianca Nogueira e Vanderson Silva.


Um comentário:

  1. Boa Noite, achei o artigo muito bom, porém tenho uma dúvida. Quando é citado que o Projeto Mariani foi arquivado pelo ex- ministro Capanema foi quando ele ainda era Ministro da educação ou foi depois ? Já que cita anteriormente o Dutra e depois cita Capanema sendo que este veio antes. Obrigado.

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