quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Educação e Idade Média


  1.    Conceito de Idade Media

     Idade Média foi à expressão imprópria aplicada ao período de mil anos que se iniciou no Ocidente com a derrocada do Império Romano em 476, quando se deu a queda de Roma sob o reinado de Rômulo Augústulo, enquanto em Bizâncio se mantinha o Império Romano do Oriente que se prolongaria até a queda de Constantinopla sob os ataques dos turcos em 1453. Durante os mil anos da nova idade, os bárbaros germânicos converteram-se à religião cristã e assimilaram a cultura romana que a Igreja lhes preservou. Surgiu, assim, no cenário da política mundial a Europa com um conjunto de nações que ainda hoje conduzem a civilização, tal como a Alemanha, a França, a Rússia, a Inglaterra, a Espanha, a Itália e as demais, e que deram origem às modernas nações americanas. Durante essa Primeira Idade, como Gustave Cohen gostaria que se chamasse a Idade Média, formou-se as línguas e as literaturas das nações modernas, como a portuguesa; forjou-se uma nova e pujante civilização com as suas instituições típicas tais como o parlamento, o júri, a universidade, a arte gótica e as catedrais que assinalaram a civilização européia. O historiador Roberto Lopez, no prefácio da sua obra Nascimento da Europa, refere-se à Idade Média como "essa grande caluniada" e considera o termo Idade Média como o mais desastrado dentre inúmeros rótulos apostos pelos historiadores a cortes arbitrários do passado, pois a Idade Média apresenta feições típicas, assim como aspectos positivos e negativos e por isso não seria uma época de mera transição como o termo induz.

2      Periodização da Idade Media

      Do ponto de vista da História da Educação pode adotar-se a seguinte periodização da Idade Média:
     a) a primeira fase após a queda do Império Romano do Ocidente (476) até o reinado de Carlos Magno no fim do século VIII, uma faixa de três séculos com a mesma duração que no Brasil se estende de 1650 aos nossos dias. Este, o período que os historiadores ingleses denominam de Dark Ages.
     b) A segunda fase alonga-se de 950 a 1200, ou seja, do fim da linguagem carolíngia à concessão por Felipe Augusto dos primeiros privilégios reais à nascente universidade de Paris. Este período equivale ao do apogeu da Idade Feudal.
     c) A terceira fase abrange o século XIII e termina com o gesto irreverente de Nogaret que assinala simbolicamente o declínio da Idade Média.
     d) A quarta e última fase caracteriza-se pelas mudanças e convulsões sociais, pela transição do feudalismo à monarquia, pela crise da cultura, decadência das escolas e pelo surgimento do humanismo renascentista.
     Na primeira fase registra-se a decadência escolar do mundo antigo, a implantação do monaquismo e a transmissão da cultura romana aos povos germânicos cristianizados. Na segunda assinalam-se os renascimentos ou renovações da cultura nos reinados de Carlos Magno, Alfredo, o Grande, e Otão, o cessamento das invasões, o aumento da população, as grandes transformações econômicas, a organização do feudalismo e o renascimento do século XII. A terceira fase constitui o apogeu da civilização medieval com o florescimento das universidades, a constituição da doutrina e do método escolásticos. A quarta fase, finalmente, corresponde ao crepúsculo da Idade Média, à decadência escolar e à crise da cultura do Ocidente, época agitada e convulsa em que entra a surgir o Renascimento, verdadeira idade média entre a Primeira Idade da Civilização Ocidental e a Europa moderna.

3.    Educação e Vida Social: As Crianças, Os Jovens, As Mulheres

     A educação, antes de tudo, tem como centro a família, como ocorre, em particular, nas sociedades tradicionais. Uma família que, na Baixa Idade Média, tende a assumir aspectos cada vez mais articulados, fazendo conviver tipos diversos de famílias, desde a patriarcal até a nuclear; a primeira, central, sobretudo em áreas agrícolas; a segunda, em áreas urbanas mais avançadas. De qualquer modo, porém, estamos diante de uma família um pouco diferente da moderna e burguesa; seja patriarcal ou nuclear, a família medieval é uma família aberta para a sociedade, que não se fechou em núcleo privado, que acolhe quase todos os eventos da vida social (desde o sexo até a morte).  Na Idade Média, de fato, as “cenas de interiores” da família são “muito raras” na iconografia, também nas representações de eventos íntimos como o parto. E faltam representações de grupos de família. Tudo isso enfatiza como a família medieval é um organismo pouco estruturado, em estreita contigüidade e continuidade com toda a vida social, na qual os problemas educativos também têm escassa estruturação e pouca centralidade: a família cria os filhos, destina-os a um papel na sociedade, controla-os de modo autoritário, mas não os reveste de cuidados e de projetos, não os põe no centro da vida familiar, entrelaçando-os num tecido educativo minucioso e orgânico.
     As crianças na Idade Média têm um papel social mínimo, sendo muitas vezes consideradas no mesmo nível que os animais (sobretudo pela altíssima taxa de mortalidade infantil, que impedia um forte investimento afetivo desde o nascimento), mas não na sua especificidade psicológica e física, a tal ponto que são geralmente representadas como “pequenos homens”, tanto na vestimenta quanto na participação na vida social. Até os seus brinquedos são os mesmos dos adultos e só com a Época Moderna é que se irá delineando uma separação. As festas religiosas, sazonais, civis também acolhiam as crianças como espectadores e protagonistas, sem censuras. E até mesmo os eventos dolorosos não excluíam a infância: morriam-se em público, também na presença de menores. A educação da criança era depois confiada à oficina e ao aprendizado ou à Igreja e às suas práticas de vida religiosa: a primeira ensinava uma técnica e um ofício, a segunda, uma visão do mundo e um código moral. A imagem da infância na Idade Média é a cristã: a meio caminho entre “pecado” (idade pecaminosa, amoral, segundo Santo Agostinho) e “inocência” (idade de graça, privilegiada e exemplar, como dizem os Evangelhos); as condições de vida da infância são sempre duríssimas, marcada pela escassez de bens, por violências e marginalização. Até o corpo infantil é reinterpretado através da ideologia, dos princípios da astrologia, dos princípios da hereditariedade como repetição necessária de disposições e comportamentos, dos princípios da medicina.
     Ao lado da criança, outra figura marginal é a da mulher: subalterna ao homem, até mesmo na criação (já que deve ser menos alimentada), alheia à educação; ao mesmo tempo marginalizada e exaltada, como ocorre na ideologia cristã. Só que a Idade Média retoma sob dois aspectos uma valorização da mulher: com as santas, de um lado; com o “amor cortês”, de outro. As santas são heroínas do feminino, que sublimaram sua capacidade de amar e que se comunicam diretamente com Deus ou são suas intermediarias: pense-se em Catarina de Siena e seu misticismo, que torna exemplar a religiosidade e o papel político (profético, de estimulo ao papado) que vem conscientemente a exercer, colocando-a num plano a que poucos humanos podem esperar elevar-se (São Francisco e São Domingos, em particular); mas pense-se também em Joana D’Arc e sua politicidade inspirada, que a leva a estimular o rei para “salvar a França” e a colocar-se à frente do exército. O “amor cortês” elabora um código cavalheiresco de amor em que a distância e a impossibilidade de realizar concretamente o amor desempenham o papel essencial, levando à idealização da mulher, do seu papel de guia e de conselheira, de alvo de toda empresa (que se realiza em seu nome) e centro da psicologia do cavaleiro. Toda a tradição literária que vai dos trovadores aos cultores do estilo novo grafita em torno dessa imagem ideal do feminino e do papel de inspiradora que a mulher assume.
     Numa condição de subalternidade e de rebelião colocam-se, entretanto os jovens, os do sexo masculino, sobretudo. São privados de direitos, dependentes do pai, deixados fora da vida social (que começa com o casamento, o qual, por sua vez, por razões econômicas e sociais é frequentemente tardio), alimentando assim as tensões que percorrem a vida social da Idade Média. A posição deles era semelhante à dos criados e permanecia-se jovem até o casamento. Daí a necessidade de fazer “explodir” de forma controlada as suas tensões: com o carnaval, com os ritos populares de escárnio do tipo charivari (grito de zombaria), com a vagabundagem e com a aventura; ou favorecendo um controle através das confrarias, nas quais se entrava com uma cerimônia iniciática e se aderia a um código ético bem definido. A juventude, porém, permanecia como um fator de rebelião na sociedade medieval, dando vida a grupos mais ou menos marginais, a associações mais ou menos legais, embora favorecendo deslocamentos de um lado para outro da Europa, para seguir os mercadores ou para seguir os mestres universitários, para exaltar princípios religiosos (como ocorre com as Cruzadas) ou para participar de peregrinações.
     A sociedade medieval educa – como sempre ocorre nas sociedades tradicionais – através de severos controles, mas também através de dispositivos de escape (por assim dizer), que se mostram ativos tanto no caso da criança (exaltada pela inocência) e da mulher (com a idealização) como no caso da juventude (pela vagabundagem).

4.    Educação Patrística

     Nome dado à filosofia cristã dos primeiros sete séculos, elaborada pelos Pais da Igreja, os primeiros teóricos -- daí "Patrística" -- e consiste na elaboração doutrinal das verdades de fé do Cristianismo e na sua defesa contra os ataques dos "pagãos" e contra as heresias. Quando o Cristianismo, para defender-se de ataques polêmicos, teve de esclarecer os próprios pressupostos, apresentou-se como a expressão terminada da verdade que a filosofia grega havia buscado, mas não tinha sido capaz de encontrar plenamente, enquanto a Verdade mesma não tinha ainda se manifestado aos homens, ou seja, enquanto o próprio Deus não havia ainda encarnado, não existia ainda o Senhor.
     De um lado se procura interpretar o Cristianismo mediante conceitos tomados da filosofia grega, do outro reporta-se ao significado que esta última dá ao Cristianismo.  Os primeiros pensadores cristãos, ao mesmo tempo em que se valeram, também se debateram com os filósofos quer com Platão e com Aristóteles, quer, sobretudo, com os estóicos e com os epicureus. Sem perder de vista os ideais da doutrina cristã, eles buscaram encontrar, frente à Filosofia e aos filósofos, o lugar apropriado da reflexão filosófica e do pensar cristão.
     "É comum a afirmação de que o Cristianismo primitivo sofreu influências de vários setores da Filosofia Grega - de Platão, de Aristóteles, dos epicuristas e dos estóicos - sem que se determine claramente a amplitude e os limites de tais influências. Também é comum dizer-se que os filósofos convertidos ao Cristianismo buscaram dar à doutrina cristã um status filosófico, mas sem o cuidado de salientar as fontes das quais se serviram ou sem analisar os conceitos dos quais se apropriaram..." (SPINELLI, Miguel. Helenização e Recriação de Sentidos. A Filosofia na época da expansão do Cristianismo – Séculos II, III e IV. Porto Alegre: Edipucrs, 2002, p.3). Foram vários autores que se ocuparam dessa tarefa: Justino, Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes, Gregório de Nazianzo, Basílio, Gregório de Nissa...
     Ou como resume Johannes Hirschberger: "Tratando-se de filosofia patrística, não devemos, como outrora, pensar somente nas obras de filósofos que só foram filósofos.  A filosofia da patrística está antes contida nos tratados dos pastores de alma,pregadores, exegetas, teólogos, apologetas que buscam antes de tudo a exposição da sua doutrina religiosa. Mas ao mesmo tempo, levados pela natureza das cousas e dada a ocasião, se põem - a resolver problemas propriamente pertencentes à filosofia; e então, pela força do assunto, versam a metodologia filosófica" (HIRSCHBERGER, Johannes. História da Filosofia na Idade Média. São Paulo: Ed. Herder, 1966, Trad. Alexandre Correia)
    A figura de maior destaque dessa corrente de pensamento cristão é Santo Agostinho.

·         Tradição

     Esses “Padres da Igreja” que ao longo dos sete primeiros séculos foram responsáveis por confirmar e defender a fé, a liturgia, a disciplina, criar os costumes e decidir os rumos da Igreja. É a Patrística, basicamente, a filosofia responsável pelo elucidação progressiva dos dogmas cristãos e a responsável pelo que se chama hoje de Tradição Católica.

·         Divisão Didática

     A patrística divide-se geralmente em três períodos:
ü  Até o ano 200 dedicou-se à defesa do Cristianismo contra seus adversários (padres apologistas, São Justino Mártir).
ü  Até o ano 450 é o período em que surgem os primeiros grandes sistemas de filosofia cristã (Santo Agostinho, Clemente Alexandrino).
ü  Até o século VIII reelaboram-se as doutrinas já formuladas e de cunho original (Boécio).

     Esta divisão da Literatura Patrística em três períodos é geralmente feita, mais didaticamente, da seguinte forma:
ü  Período Ante-Niceno - corresponde ao período anterior ao Concílio Ecumênico de Nicéia (324 d.C). Geralmente compreende os escritos surgidos entre o século I e início do IV século.
ü  Período Niceno - corresponde ao período entre os anos anteriores até alguns imediatamente posteriores ao Concílio Ecumênico de Nicéia (324 d.C). Geralmente compreende os escritos surgidos entre o início do IV século até o final deste.
ü  Período Pós-Niceno - corresponde ao período compreendido entre os V e VIII séculos.

5.    Educação Escolástica

     A Escolástica (ou Escolasticismo) é uma linha dentro da filosofia medieval, de acentos notadamente cristãos, surgida da necessidade de responder às exigências da , ensinada pela Igreja, considerada então como a guardiã dos valores espirituais e morais de toda a Cristandade. Por assim dizer, responsável pela unidade de toda a Europa, que comungava da mesma fé. Esta linha vai do começo do século IX até ao fim do século XVI, ou seja, até ao fim da Idade Média. Este pensamento cristão deve o seu nome às artes ensinadas na altura pelos escolásticos nas escolas medievais. Estas artes podiam ser divididas em Trivium (educação) (gramática, retórica e dialéctica) ou Quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música). A escolástica resulta essencialmente do aprofundar da dialética.
     A Filosofia que até então possuía traços marcadamente clássicos e helenísticos,   sofreu influências da cultura judaica e cristã, a partir do século V, quando pensadores cristãos perceberam a necessidade de aprofundar uma fé que estava amadurecendo, em uma tentativa de harmonizá-la com as exigências do pensamento filosófico. Alguns temas que antes não faziam parte do universo do pensamento grego, tais como: Providência e Revelação Divina e Criação a partir do nada passaram a fazer parte de temáticas filosóficas. A Escolástica possui uma constante de natureza neoplatônica, que conciliava elementos da filosofia de Platão com valores de ordem espiritual, reinterpretadas pelo Ocidente cristão. E mesmo quando Tomás de Aquino introduz elementos da filosofia de Aristóteles no pensamento escolástico, esta constante neoplatônica ainda é presente.
     Basicamente, a questão chave que vai atravessar todo o pensamento escolástico é a harmonização de duas esferas: a fé e a razão. O pensamento de Agostinho, mais conservador, defende uma subordinação maior da razão em relação à fé, por crer que esta venha restaurar a condição decaída da razão humana. Enquanto que a linha de Tomás de Aquino defende uma certa autonomia da razão na obtenção de respostas, por força da inovação do aristotelismo, apesar de em nenhum momento negar tal subordinação da razão à fé.
     Para a Escolástica, algumas fontes eram fundamentais no aprofundamento de sua reflexão, por exemplo os filósofos antigos, as Sagradas Escrituras e os Padres da Igreja, autores dos primeiros séculos cristãos que tinham sobre si a autoridade de fé e de santidade.

·         Principais representantes do pensamento escolástico

     Os maiores representantes do pensamento escolástico são os dois pensadores citados acima, que estão separados pelo tempo e pelo espaço: Agostinho de Hipona, nascido no norte da África no fim do século IV e Tomás de Aquino, nascido na Itália do século XIII. Embora seja arriscado dizer que sejam as únicas referências relevantes do período medieval, ambos conseguiram sintetizar questões discutidas através de todo o período: Agostinho enquanto mestre de opinião relevante e autoridade moral e Tomás de Aquino, pelo uso de caminhos mais eficazes na obtenção de respostas até então em aberto. Outros nomes da Escolástica são: Anselmo de Cantuária, Alberto Magno, Robert Grosseteste, Roger Bacon, Pedro Abelardo, Bernardo de Claraval, João Escoto Erígena, João Duns Scot, Jean Buridan e Nicole Oresme.

6.    A Educação em Bizâncio e no Islã

Ao lado do Ocidente cristão e feudal colocam-se dois outros espaços geopolíticos e culturais que se diferenciam profundamente entre si e em relação ao Ocidente, que influenciam, porém, o seu imaginário, a sua cultura e até a sua política, que se colocam num nível de desenvolvimento social e cultural muito mais alto em relação ao Ocidente, primeiro bárbaro e depois feudal. A Oriente se coloca Bizâncio, com sua cultura predominantemente grega, com sua continuidade, em relação ao Império romano (pela unidade do Estado, pela produção do direito, pelo desenvolvimento do saber e da técnica), com sua sutil cultura teológica e sua complexa tradição filosófica; mas Bizâncio, durante toda a Alta Idade Média, terá um papel bastante marginal no desenvolvimento do Ocidente. Ao sul, porém, encontra-se a dominação do Islã com uma florentíssima civilização, sob muitos aspectos (técnicos, científicos, filosóficos), mais evoluída em relação ao Ocidente, que a combate por razões religiosas, mas que também sofre o seu fascínio e sua influência.  
     Bizâncio, do ponto de vista educativo, mantém um modelo constante, ligado a uma rede de escolas municipais em que se continuava a tradição da Enkyklios Paidéia, articulada em três ciclos (elementar: leitura, escrita, cálculo; médio: gramática ou poética; superior: retórica), com professores diversamente especializados, que culminavam na figura do sofista (que ensinava oratória e “filosofia política”). Com o advento do cristianismo, essa Paidéia também continuou no auge durante muito tempo, embora integrada com a Escritura.
     Assim, define-se uma cultura formativa de tipo gramatical- retórica ligada a uma língua que se esforça para modelar-se sobre o grego antigo nutria de ética grega (sabedoria) e de fé cristã; mas pouco a pouco se dá espaço também para as ciências, a lógica, a música, a filosofia. “A educação bizantina não ministrava apenas um saber e um modo de raciocinar; ela oferecia o contato com uma tradição intelectual e moral surgida na Antiguidade, salva por um Império que foi, nos primeiros séculos da Idade Média, o refugio da civilização diante dos bárbaros, de Ocidente e Oriente” (Mialaret & Vial). Com Juliano, o Apóstata, que reina de 361 a 363, restauram-se o paganismo e a Paidéia antiga, ligada a língua grega e aos mestres helênicos de Homero a Aristóteles, querendo torná-la viva na escola através de mestres dotados de “caráter” e de “eloqüência”; depois, com Teodósio II, que governa de 408 a 450, reforma-se de novo a instrução, fixando a “publicidade” do ensino, e com Justiniano, que publica em 529 o Codex e estimula a instrução elementar, os problemas educativos são mais atentamente teorizados. Do século VII ao VIII houve, pelo contrário, uma “regressão econômica e cultural, e a instrução sentiu” (Bowen). Só com Miguel III, que reinou de 842 a 867, é que se reorganizou a escola palaciana com ensinamentos de filósofos, geômetras, astrônomos e filólogos; depois, com Fózio (810 – 891), que valorizou os estudos filológicos e “um culto arcaizante da Paidéia” em chave enciclopédica. A retomada continuou também nos séculos seguintes com Mikhail Psellos (1018-1078), que exaltou a filosofia e o platonismo; com Ana Comnena que falou de uma formação cultural grega, através de Platão e Aristóteles, bem como através do quadrívio. Depois, o cisma com Roma em 1054 e a conquista veneziana de Constantinopla, os ataques dos turcos levaram a um declínio e a uma derrota de Bizâncio, cuja cultura emigra para o Ocidente e alimenta a formação do humanismo italiano. Certamente que a cultura escolar bizantina, neste percurso, veio, porém, ligando-se cada vez mais à Igreja, tornando-se menos difusa e permanecendo, sobretudo, como patrimônio de classes altas.
     O Islã também, com sua riquíssima e complexa civilização, que foi um dos faróis que iluminaram a cultura do Ocidente medieval, comunicando-lhe conhecimentos técnicos, introduzindo textos científicos e filosóficos, indicando-lhe tradições interpretativas, teve um cuidado constante com a educação e a instrução, já a partir de Maomé, é o imã quem deve conduzir o processo de formação, com seu saber sobrenatural, com seu papel de guia infalível, por meio de um ensino iniciático que versa sobre a leitura do Alcorão, interpretado em diversos níveis conforme o grau de iniciação. Segundo a tradição sunita, porém, deve-se seguir rigidamente o princípio da autoridade, atendo-se às interpretações mais antigas e autorizadas, sem assumir nenhuma liberdade de crítica. Nessas escolas alcoranistas, ensina-se a recitar de cor o texto, de modo a poder usá-lo como guia em qualquer ocasião, em qualquer experiência de vida. Essa orientação fortemente religiosa da educação islâmica permaneceu sempre central, também para os filósofos como Algazel, morto em 1111, segundo o qual a educação deve ser guiada pelo sufi, o mestre de vida; este incita a confiar em Deus e a valorizar atitudes de renúncia e de amor. Também a educação ética, orientada para o belo e para o bom, e que, por meio do estímulo do desejo de beleza e de bondade, produz a formação do caráter, é marcada no sentido predominantemente religioso, como afirma, por volta do ano mil, Miskawayh em sua obra sobre a formação do caráter.         
     Ao lado das escolas alcoranistas colocam-se também os preceptores particulares e depois os círculos, nos quais se ensinam, sobretudo a tradição e o direito, e por onde os jovens passam para seguir ora aqui ora ali os diversos mestres. Por volta do século X, a cultura islâmica se abre para as ciências e, criada pelo califa, nasce Bagdá a Casa das Ciências, uma rica biblioteca que se tornará um centro de estudos e um modelo de escola para as outras províncias do Islã. No Egito, na Síria, nasceram Casas de Sabedoria, em que se ensinavam – ao lado da teologia e do direito – medicina, astronomia, e matemática. No século seguinte, nasce uma instituição nova, a madrasa ou escola dotada de uma renda para pagar os professores e acolher os estudantes, criada pelo poder político para formar os técnicos do Estado e o pessoal da administração, segundo, porém, uma cultura tradicional.
     O Islã foi também uma realidade comercial, um terreno de intercâmbios, ligados ao nomadismo daquelas populações arábicas, às rotas das caravanas que ligaram o Oriente ao Ocidente, ao papel das cidades, à interdependência sobre o mar, portanto ao papel dos artesãos e das oficinas, onde se realiza sob a orientação de um mestre a formação dos trabalhadores, por meio de um simples aprendizado, como ocorria no Ocidente. Para a cultura medieval do Ocidente, o Islã contribui sobretudo com o despertar das ciências (a começar da álgebra, que foi inventada pelos árabes), com a retomada do racionalismo filosófico (com a leitura de Aristóteles), com uma série de lendas e narrativas que alimentaram o imaginário medieval e estimularam a própria imaginação dos narradores ocidentais.
     Entre Bizâncio e o Islã, o Ocidente alto-medieval vai amadurecendo sua própria retomada que se tornará mais acelerada e mais sólida depois do Ano Mil, realizando também, e, sobretudo com as universidades, um novo modelo educativo, radicalmente original e capaz de desafiar os séculos como sistema de organização da cultura superior.    

 7.    As universidades na Idade Média

     Na Idade Média, grande parte das pessoas não sabia ler e escrever. Os servos trabalhavam desde pequenos no campo, com isso não tinham tempo para aprender nem achavam alguma utilidade nisso. Além disso, não existiam escolas para eles. Até alguns nobres eram analfabetos. Para eles, o que interessava era saber cavalgar, vestir uma bela armadura, empunhar armas. Não precisavam ler ou escrever para terem um feudo, conquistar belas damas e se divertirem. Os responsáveis de cuidar das escolas eram os monges e os padres.
     Durante o século XIII, as cidades voltaram a ser importantes na Europa. O crescimento das cidades estimulou a vida intelectual. Por esse motivo, esse foi também o século do triunfo de uma nova instituição; a Universidade. Surgiram universidades como as de Bolonha, Oxford e Paris. Tais universidades eram protegidas tanto pela Igreja como pelos grandes senhores feudais. Os cursos ministrados nas universidades eram Medicina, Direito, Teologia e Filosofia. As ciências da natureza não eram muito desenvolvidas, e praticamente só repetiam o que os gregos e os árabes já tinham dito.
     Os universitários eram filhos de nobres que vinham de toda Europa. As universidades formavam as pessoas da elite medieval. O método de ensino era denominado de escolástico: os alunos estudavam comentários sobre ele e debatiam. No entanto, nesses debates ninguém questionava o que os grandes autores diziam. A autoridade deles era absoluta. É por isso que, séculos mais tarde, a escolástica foi considerada uma forma de estudo dogmática (bitolada).

 8.    Curiosidades

·         Em 1976 transcorreu o milésimo qüingentésimo aniversário da queda de Roma. O evento passou em silêncio. No entanto, esse fato histórico revestiu-se de profundo significado histórico, já que serviu para indicar o fim da Idade Antiga e o início da Idade Média.
·         A 2 de novembro de 472 morreu Olíbrio, e em junho de 474 Júlio Nepos triunfou de Glicério; e aí surgiu o chefe da milícia Orestes, o último dos generais que durante muitos anos faziam e desfaziam os imperadores. Ele tomou o poder, mas não ousou tornar-se o chefe supremo do Império, e instalou o seu filho Rômulo Augústulo no trono imperial a 31 de outubro de 475. Devido à sua idade de 13 anos, Rômulo foi chamado de Augústulo por Zenão, imperador do Oriente. Por notável coincidência ou por ironia da sorte, como diz Villari, o último imperador do Ocidente tinha o mesmo nome do primeiro rei - Rômulo - e o do primeiro imperador de Roma - Augusto . O exército romano era composto de torcilingos, esciros, hérulos, e os soldados passaram a exigir um terço das terras que controlavam, a fim de se fixarem e terem a sua subsistência. Orestes recusou, e aí sobreveio a rebelião, os soldados abandonaram-no e aclamaram Odoacro rei, transportando-o sobre os escudos. Odoacro, rei dos hérulos ou dos torcilingos segundo Jordão na Gética, era um bárbaro do exército de Ricimero junto com o qual havia assediado Roma. Isso ocorreu - esse triunfo de Odoacro - a 23 de agosto de 476. O novo rei prometeu aos soldados o que haviam pedido, Orestes fugiu para Pavia, Roma foi pilhada durante três dias e, a 28 de agosto de 476, Orestes foi preso e morto em Piacenza. Odoacro foi, então, buscar Rômulo Augústulo em Ravena e confinou-o na vila Luculana em Pizzofalcone perto da antiga Nápoles, com uma pensão de 6.000 sólidos. Odoacro empacotou as insígnias imperiais e enviou-as a Bizâncio. Caíra o Império Romano do Ocidente e começara a Idade Média. A irrupção das tribos germânicas através das fronteiras e a sua fixação nas províncias do Império do Ocidente marcaram o fim do mundo antigo e caracterizaram o início de novo período histórico. Por isso, quando Walsh discorre sobre o humanismo medieval, ele o concebe como a integração de elementos antigos tal como a sabedoria grega, a experiência da vida ou o senso de organização dos romanos e da Graça evangélica proveniente do Oriente com os novos fatores como a força dos germanos e a imaginação dos celtas [45]. Maurice De Wulf, por seu lado, observa que, na primeira parte da Idade Média, as novas raças dos celtas e teutões receberam passivamente a herança cultural e o legado jurídico e político de origem greco-romana mas que, desde o século IX, entraram a reagir ante o que lhes foi proposto e assimilaram o patrimônio tradicional sob a orientação da Igreja Católica.
·         Durante os primeiros séculos da Idade Média, o Cristianismo introduziu-se entre os povos bárbaros. A maior parte deles já aderira ao arianismo e, por isso, eram cristãos heréticos na época das grandes invasões. Assim, já eram cristãos os godos, os burgúndios, os vândalos e, depois, os lombardos. Os francos e os saxões eram pagãos.
·         A partir do fim do século IV, os missionários católicos converteram os francos à fé cristã, após o batismo do rei Clóvis, no Natal de 496, e os anglo-saxões dos sete reinos, por iniciativa do Papa São Gregório Magno (590-604).

 REFERENCIAS:

·         CAMBI, Franco. História da Pedagogia. São Paulo: Fundação da Editora UNESP, 2009.
·         NUNES, Ruy Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. São Paulo: EPU, 1979.

Produção coletiva.

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